domingo, 24 de junho de 2012

29ª Maratona de Porto Alegre, um breve relato.







29ª Maratona de Porto Alegre, um breve relato.

            Aquele dia 03 de junho foi um dia diferente. Dia de maratona. A cidade praticamente parou ao entorno do percurso de 42km desenhado por ruas planas junto aos pontos históricos, que mais uma vez serviram de testemunha de tamanha alegria, esforço e sofrimento daqueles que participavam. O número de corredores superou aos inscritos no ano anterior, e a organização se superou tanto pelo novo trajeto quanto pela divisão da prova em duas arenas: uma para a maratona e outra para o revezamento e rústica. Foi muito bom para os atletas e para os que assistiam. 
            Acordei às 04:00 horas neste dia. Aliás, nem dormi direito, pois a ansiedade, mesmo que disfarçada, acaba tomando conta e contaminando. A ansiedade não presta. Eu achei que a tinha afastado com duas Caracus na noite anterior. Para relaxar. Mas a ansiedade vem, e faz você se questionar se vai dar, se o treino foi suficiente, se ocorrer alguma lesão, se você  quebrar. A ansiedade detona a gente. Se você fraquejar, acaba não saindo de casa. Até porque o tempo estava uma incógnita, a previsão era de chuva (pancadas). Mas surpreendentemente o dia foi se mostrando com uma temperatura ideal, em torno dos 16º e totalmente nublado. Excelente para uma corridinha.
            Cheguei no local da prova (Jóquei Clube) às 06:15, uma hora antes da largada, como previ. Só não previ a multidão de atletas pra cima e pra baixo, fila no guarda-volume, no banheiro, pra entrar na arena, pra sair, fila em tudo que era lugar. Ainda bem que às 07:00 da manhã consegui fazer o esvaziamento da bexiga com sucesso, que alívio, e rapidamente entre os esbarrões me acomodei na largada. Neste momento a ansiedade perdeu o espaço para a adrenalina. Fico de olho no cronômetro. Vejo as pessoas, fazendo aquecimento, cada um tentando por em prática aquilo que foi planejado e treinado. Fisionomias diferentes, pessoas de todos os tipos, salvo os malucos que buscam vencer a prova, os demais buscam concluí-la, cada um a sua maneira, buscando seu melhor tempo. Quando soou a corneta, às 07:15 e toda aquela gritaria da largada,  um peso enorme saiu das minhas costas e logo começo a me projetar de forma leve, solta, tranqüila, inclusive as dores psicológicas que iniciaram antes da prova se foram.
            No 2ºkm, próximo ao Iberê Camargo, o sol desponta timidamente alegrando e iluminando o longo trajeto que se apresenta pela frente. Utilizei os dois primeiros quilômetros para fazer o aquecimento, e logo comecei a aumentar o ritmo, e no quarto quilômetro, próximo ao parque Marinha do Brasil, onde encontrei o ritmo ideal, pouquinho acima do programado, mas fluindo muito bem. Chegando no centro, próximo ao Mercado Público já consigo ver retornar o pelotão de elite com o queniano liderando a prova, em uma velocidade descomunal para um simples mortal. Uma coisa muito legal neste trecho era o grande número de pessoas saindo do trabalho e outras entrando, afinal o centro não para nunca, e elas vibravam com os corredores colorindo e alegrando aquele canto da cidade, tão acostumado com trânsito frenético dividindo pequenos espaços com pessoas apressadas que andam para todas as direções. Por alguns segundos me ative a uma senhora, que estava no 4ª andar de um prédio, em uma pequena sacada projetando o corpo franzino, ainda de pijamão daqueles tão compridos que só terminam quando encontram a pantufa, acenando e aplaudindo com tanto entusiasmo que acabei quebrando o protocolo e acenei para ela como se fosse minha avó na sacada.
            Todo o percurso foi muito bem sinalizado, com os postos de apoio, hidratação, isotônicos e bananas para repor os escassos carboidratos. Ao contornar o Parcão, já por volta das 08:20 da manhã, muitas pessoas se juntavam às faixas que delimitavam o caminho, aplaudindo e acenando. Meus amigos bikers, foram de grande valia, pois quebravam um pouco a tensão sempre com piadinhas pontuais e muito incentivo. Quando entro na Ipiranga em direção ao Jardim Botânico me senti em casa, na minha região. Neste momento ocorre um sentimento de prazer, de satisfação por estar perto de casa, e até permitindo que sombrios pensamentos apareçam sorrateiramente : “se der problema, já fico aqui em casa mesmo...”. Mas até o Quilômetro 25, é só alegria. O problema é o que vem pela frente. Neste trecho você já começa a ver atletas parando, desistindo, caminhando. Lembrei da maldição do km 30: “que a maioria dos que quebram, quebram no 30”, fiquei pensando nisto até passar por ele, e tranqüilamente segui meu caminho.
            O retorno é um pouco "psicologicamente cruel", pois quando você está chegando novamente no gasômetro volta para o centro, e seu pensamento ali é somente de cruzar a linha de chegada. Novamente, passando próximo ao Mercado, no retorno um vento frontal apavorou muita gente. O que antes era uma leve brisa, agora virou ventos que atrapalham o deslocamento e apenas anunciam que está chegando o km 35.  Meu amigo, no quilometro 35 você não quer ver mais ninguém. Não se importa mais com as pessoas abanando, bikers, senhoras nas sacadas. Você não enxerga mais nada. Tudo neste momento é apenas dor. Não uma dor específica, mas uma dor generalizada. Total. Dói das costas, pescoço, ao tornozelo. As pernas ficam pesadas e as passadas não são mais movimentos naturais e soltos, agora são movimentos mecânicos. Você só pensa na chegada.
            Os últimos 5 quilômetros, foram os piores que já corri. Muitos atletas que haviam passado por mim estavam parando, alguns sentados, outros segurando postes e esticando as pernas por causa das câimbras. Outros passavam pelos postos de hidratação e já ficam por ali mesmo, tomavam sua água caminhando. É neste momento que você se aproxima do criador, um momento mágico e espiritual, exclusivo de você consigo mesmo. Um momento só teu. Para catalisar ainda mais esse momento, vem uma subidinha, um pequeno e constante aclive que antecede a chegada. Sei que se conseguir subir essa lomba, conseguirei lá de cima enxergar a linha tão pretendida. Finalmente, forças que não sei de onde surgem me conduziram e me acompanharam na conclusão da prova. 3horas, 35minutos. Paro. O corpo ainda acha que está correndo. Demora alguns segundos para adaptação. Respiro. Um filme passa pela cabeça.
            Assim como na maratona é a vida. O cansaço, o sofrimento e a dor fazem parte do caminho, assim como a alegria e a felicidade de ter o caminho concluído. 

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A Humanidade e a lagarta




Demorei muito para encontrar uma muda de Asclepias curassavica, conhecida como Oficial-de-sala. Uma planta sem graça nenhuma, leitosa, que cresce como um arbusto, de flores alaranjadas. Essa planta, é uma das poucas fontes de alimento da lagarta que se transforma em borboleta Monarca aqui no sul, que na minha infância existia aos montes e foi aí que aprendi a acompanhar o nascimento destes animais.
Ano passado plantei a tal muda no jardim do escritório, e logo com um pouco de adubo e água diariamente, a planta ficou enorme, vigorosa e cheia de flores. Demorou mais ou menos um ano para que uma Monarca encontrasse a planta, já que meu escritório fica próximo ao aeroporto e entre duas avenidas de intenso movimento. Mas a natureza é sábia. A Monarca deposita os ovos nas folhas, em poucos dias nascem lagartas minúsculas. Esses animais começam a comer a planta. Quando digo comer, estou sendo econômico, pois quero dizer que elas comem muito, são vorazes, deixam apenas os talos da planta. Em duas semanas, o bicho não consegue mais comer de tão gordo, ficando pronta para a metamorfose, onde apareço e coleto o animal ainda em forma de lagarta e o isolo junto a um bonsai ou área protegida dentro do escritório onde todos acompanham a mudança da lagarta para casulo e após quinze dias, cheia de estilo nasce, a Monarca.
Da primeira vez nasceram três borboletas. A árvore ficou “pelada”, mas em três meses se recuperou e logo floresceu novamente, e o processo se repetiu, e a cada três meses alguma Monarca encontrava a planta e o ciclo se reiniciava. Até então eu era mero expectador. Resolvi interferir, até porque estava com um tempinho livre em aumentar a produção, protegendo os animais dos predadores. Ou seja, isolei as plantas, afastei os marimbondos, as formigas, as crianças, as vespas, ou seja, tudo aquilo que poderia por em risco a integridade física da lagarta era afastado. Eram várias lagartas, comiam muito, e cresciam em uma grande população. O colapso aconteceu quando, na metade do tempo normal de formação do animal, acabou a planta. Comeram até os talos, e não foi suficiente para concluir o processo. Houve a morte de toda a população de lagartas. Morreram de inanição. Secas. Definhando.
Esta experiência coincidiu com a leitura que fiz de um livro: Colapso, de Jared Diamond, onde o autor descreve de forma fria e sustentada por fatos históricos o fim de várias civilizações da humanidade, como os Maias, os Vikings, a população da Ilha da Páscoa, e outras tantas civilizações que se exterminaram, ou que simplesmente desapareceram sem deixar rastros. Além de fatores da natureza, a falta de alimentos foi o grande fato gerador do desaparecimento destes povos, ou seja, consumiram todos os recursos que possuíam e por ficarem isolados de outras sociedades, não conseguiram sobreviver.  
O panorama em que vivemos hoje não é muito diferente do vivido pelos insetos. O aumento geométrico da população e perpetuação da espécie, onde o avanço da medicina e suas descobertas permitem que o ser humano viva por muito mais tempo com uma melhor qualidade de vida. A cada ano a população mundial aumenta em meio bilhão de habitantes. Os recursos naturais cada vez mais escassos, as florestas devastadas dando lugar à criação de gado, o aquecimento global gerado principalmente pelos poluentes industriais que saciam o consumismo desenfreado da população que busca conforto e diversão. A destruição do meio ambiente é constante e avassaladora. Todos sabem, alguns se importam e poucos tentam fazer algo para mudar. Logo, as lagartas não terão mais planta e o ciclo estará comprometido.

Ah se quiser, tem um vídeo bem legal:    Nascimento da Monarca