sábado, 9 de dezembro de 2017

A importância de reavaliar condutas





      Ontem estava na Fernando Machado, aguardando uma pessoa. Como estava muito quente, me abriguei do sol à sombra das folhas de uma pequena palmeira de jardim. Fiquei observando àquelas figueiras enormes atrás do Palácio do Governo. Comecei a divagar comigo mesmo: “estão muito alinhadas, alguém as plantou. Será que foi na década de 20? Ou de 30? A Rua Fernando Machado, antiga Rua do Arvoredo já era famosa desde o século XIX, ainda no Império do Brasil, onde ocorreu aqueles crimes do açougueiro José Ramos que fazia linguiça de suas vítimas, tornando-se talvez uma das melhores lendas urbanas que já conheci.” Estou completamente distraído, viajando na imaginação, quando percebo que um senhor fica me olhando e começa a se aproximar como quem não quer nada. Tinha uma bolsa de couro marrom - bem surrada parecida com aquela do Indiana Jones - estava bem vestido mas esvaindo-se em suor, aparentava uns sessenta ou setenta anos. Nos segundos em que identifico que ele vai me falar alguma coisa, minha mente processa várias situações: “será que esse carro é dele e ele acha que vou fazer alguma coisa? Não, talvez ele queira me pedir algo, ou vender. Não, tem cara de que vai pedir dinheiro” O encaro nos olhos, fico na defensiva aguardando o desfecho.
                - O senhor mora aqui? Me pergunta meio sem jeito
                - Aqui onde?
                - Aqui, na Fernando Machado. O senhor mora aqui?
“Bah, sabia, ele vai me pedir alguma coisa, tenho certeza, e ainda vai me contar uma história que não tem passagem pra ir para casa”. Fito ele nos olhos e faço cara de sem paciência e de poucos amigos, embora não consiga fazer direito essas feições. Retruco:
- Porque quer saber?
- Não, é que vi o senhor parado admirando essas figueiras.
- Sim, mas e o que tem? Algum problema?
- Não, problema nenhum. Eu morei aqui na Fernando Machado quando era jovem. Fazia muitos anos que não voltava aqui e resolvi caminhar ela de ponta a ponta. Esse sol quase me derrubou. Embora tudo esteja muito diferente do que era, a rua continua linda.
- Então, quanto tempo o senhor acha que tem essas figueiras? – resolvo entrar na conversa.
- Olha, uns 70 anos.
- Pensei que já poderiam ter perto dos 100 anos.
- Não. Eu vi o Ildo Meneguetti pular aquele muro ali. Bem ali, olha, tá vendo, aquela parte ali era mais baixa, e essas árvores eram bem pequenas, por isso elas regulam com a minha idade.
- Como é que é? O senhor viu o governador Ildo Meneguetti fugir?
- Sim, eu era do exército, bem jovem ainda, estava sem sono, fui dar uma caminhada de madrugada, quando percebi uma movimentação, lá estava ele pendurado no muro fugindo, com medo do Brizolla. Parece que ia transferir o governo para Passo Fundo.
Fico perplexo e confuso, mas logo sou orientado.
- Brizola estava arregimentando uma força para impedir a deposição do Jango, e o Ildo Meneguetti fugiu, e eu vi ele pulando o muro. Bem ali olha.

- E o senhor não interviu?
- Não fiz nada, era minha folga. Mas eu vi direitinho.

Ele se despede, novamente fala da saudade do tempo em que viveu ali na Fernando Machado e vai embora com sua história e sentimentos. E eu, fico envergonhado.