quinta-feira, 26 de maio de 2011

Graf Zeppelin - O dia que Porto Alegre parou.

      





    O dia amanheceu nublado, e a possibilidade de chuva era iminente naquela sexta-feira, 29 de junho de 1934 - feriado de São Pedro - o padroeiro do Rio Grande do Sul. A expectativa era enorme, nem o frio, e nem a chuva tirariam o brilho da chegada do dirigível alemão Graf Zeppelin, que faria um desvio de sua rota e sobrevoaria Porto Alegre. O gigante alemão saiu de sua terra natal três dias antes com destino a Buenos Aires, onde passou por Recife, Rio de Janeiro, e estava a caminho, com sua chegada prevista para às 10 horas da manhã. Logo, um aeromotor da Varig sobrevoou a cidade com uma faixa: "Zeppelin - 12:00 horas", comunicando o atraso. O evento para época era de grandes proporções, pois o Zeppelin era o maior veículo transatlântico aéreo que existia. Os aviões da época eram de pequeno porte, e não ofereciam conforto nas viagens de longa distância. O Zeppelin possuía 216metros de comprimento, 40 metros de altura, abrigando em seu interior 200.000m3 de gás hidrogênio, perdendo apenas para o dirigível Hindenburg, da mesma empresa, com 245metros, alcançando quase o tamanho do histórico Titanic. Essas aeronaves faziam a rota Alemanha - Brasil em três dias, ao ponto que de navio, a viagem durava em torno de 10 dias, e o conforto oferecido pelo dirigível era o que existia de melhor, além da privacidade das cabines, espaço para shows, restaurante, tinha a estabilidade e dava a plena sensação de flutuar nos céus. Era a demonstração de poder de uma Alemanha em crescimento, na ponta da produção industrial mundial. 



      Porto Alegre em 1934 estava em pleno desenvolvimento, bondes, trens, a população mais centralizada na zona portuária, atual centro cultural da cidade. Refrigerador ou geladeira eram produtos de luxo, ainda nesta época o gelo era vendido de porta em porta, onde as pessoas os acomodavam em armários muito parecidos com que seriam frezzers de hoje, podendo conservar os alimentos por mais alguns dias. A vida não era fácil, sem falar das epidemias, da falta de recursos médicos e saneamento básico, coisa que até hoje não é totalmente resolvida, pois ainda depositamos todos os dejetos e esgoto diretamente nas águas do Guaíba, consumida pela população. Naquela época o Arroio Dilúvio era frequentado por pescadores, que moravam às suas margens e tiravam de suas águas o sustento de suas famílias. Em 1934 entraria em cartaz o filme Adeus às armas, com Gary Cooper, adaptando a obra de Ernest Hemingway, e estreava também o até hoje famoso King Kong. O internacional seria neste ano o campeão da 14º edição do Campeonato Gaúcho, ganhando a final por 1 x 0 sobre o 9º Regimento de Infantaria do Exército, no estádio da Baixada, em POA, antigo estádio do Grêmio, que aliás não se classificara para a fase final.


     Eram 12:30hs, logo ao longe em direção ao norte, poderia ser visto aquele ponto cinzento se aproximando. As pessoas se aglomeravam nos telhados das casas, nos prédios, nas lajes ainda em construção da Catedral Metropolitana, nas ruas, nas sacadas, nas praças. Foi um momento raro aquele 29 de junho, onde por alguns instantes a cidade saiu de sua rotina. Os aviões da Varig, ao comando de seu presidente Otto Ernest Meyer, escoltavam o Zeppelin e faziam fotos de todos os ângulos abastecendo os jornais Correio do Povo, Diário de Notícias, Federação e Jornal da Manhã, responsáveis pela passagem do dirigível que atendeu o clamor de tantos pedidos. Claro, que de fundamental importância na decisão de desviar a rota do transatlântico, era o grande número de imigrantes alemães que formavam imensas colônias como São Leopoldo. Antes de chegar em Porto Alegre, o que acabou atrasando em 30 minutos sua chegada, foi o sobrevôo do dirigível, sobre São Leopoldo, para saudar seus descendentes, onde se aglomeravam nas ruas, felizes e orgulhosos da força da pátria mãe representado por um objeto voador tão magnífico, sem saber ainda que o mundo estava prestes a entrar na pior guerra do século XX. Um dia após a passagem do Zeppelin, ocorreria na Alemanha o que foi conhecida como a "Noite das facas longas" onde Hitler até então Chanceler, acabaria com seus inimigos dentro do próprio exército, deixando aberto o caminho para a ascensão do Nazismo. Com a morte do presidente Hindenburguer, em agosto do mesmo ano, Hitler passaria a ser o Füher, o senhor de todos os exércitos, saudado por seu povo, e que seria o responsável pelas atrocidades que aterrorizariam o mundo nos próximos anos, e o que antes era motivo de orgulho aos descentes alemães, seria motivo de decepção, de medo e até de perseguição, pois a língua alemã já não seria mais bem vinda ao eixo contrário ao nazismo.


     A empresa Zeppelin acabou firmando parceria com o Brasil, estabelecendo a cidade do Rio de Janeiro, em Santa Cruz, como ponto de parada dos Dirigíveis. Foi construído no local um imenso hangar, de proporções gigantescas, capaz de abrigar os enormes aparelhos, inaugurada em dezembro de 1936 com a ativação de uma linha regular que ligava Frankfurt ao Rio de Janeiro, com parada em Recife. Tal evento contou com a presença ilustre do Presidente Getulio Vargas. Outras bases foram construídas nos Estados Unidos, em Lakehurst e em Akron, onde a Alemanha acabou aproveitando dos americanos a produção de gás hélio, que substituíra com muito mais propriedade o gás hidrogênio. Também, foram construídas bases na Inglaterra, em Cardington, e na Italia na Sicília. Hitler acabou percebendo nos dirigíveis uma interessante forma de divulgar e mostrar ao mundo a força da Alemanha nazista. Sem perda de tempo, resolveu nacionalizar a empresa Zeppelin, e os dirigíveis a partir de 1934 começaram a alçar vôos com a suástica nazista em sua calda. Isso pode ser visto na abertura das Olimpíadas de Berlim, no dia 01 de agosto de 1936, onde o gigante Hindenburg sobrevoou o estádio olímpico momentos antes do aparecimento de Hitler, onde ficou demonstrado que o brilho maior não foi a supremacia alemã, e sim o afroamericano Jessé Owens, que ganhou as provas de 100m, 200m, 4×100m e salto em distância. 




     O tempo dos gigantes estava por terminar. A tragédia do Hindenburg, o maior de todos os Zeppelins, cujo nome recebeu em homenagem ao presidente alemão, ocorreu em maio 1937, nos Estados Unidos, onde um incêndio que iniciou em seu interior, com as causas até hoje não esclarecidas, onde muitos acreditam na hipótese de atentado criminoso e de sabotagem, acabou destruindo todo o dirigível antes mesmo de pousar, causando a morte de 36 pessoas, com transmissão ao vivo da imprensa local, colocando em dúvida a segurança dos aparelhos. Claro que a logística e a mão-de-obra para fazer os gigantes operarem eram fora dos padrões. Para uma viagem transatlântica com uma capacidade de 25 passageiros eram necessários 60 operários tripulantes, sem falar dos 200 homens necessários na base para operarem no pouso e na decolagem. Com a Alemanha entrando em guerra, e também com a desconfiança de falta de segurança, os dirigíveis acabaram perdendo suas atribuições com o fim muito próximo. Em 1940 o Graf Zeppelin faz seu último vôo, depois de 10 anos de viagens transatlânticas sem nunca ter dado nenhum tipo de problema. O gigante foi desmanchado e suas estruturas foram utilizadas para construção de material bélico. O Hangar de Frankfurt foi destruído por ordem de Hermann Göring e o Hangar de Friedrichshaffen foi pesadamente bombardeado na II Guerra Mundial. O Hangar da Base Aérea de Santa Cruz encontra-se tombado desde 1998, sendo um dos últimos exemplares e de melhor conservação nos dias de hoje.

             Foi um dia interessante aquele 29 de junho de 1934 em Porto Alegre.


Algumas sugestões de vídeos:
http://www.youtube.com/watch?v=ok4Zj9hAfw0&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=Nt9ROvNceNQ
http://www.youtube.com/watch?v=ZWSRIIg8KXQ&feature=related